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Tripé da produtividade deve ser melhor explorado, argumenta professor Carlos Primo Braga

Professor Carlos Primo Braga, da FDC, explica porque a produtividade do trabalho no Brasil é baixa há mais de quatro décadas e quais são os caminhos para melhorá-la

tripe da produtividade Carlos Braga
por Redação fevereiro 10, 2022
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A produtividade do trabalho no Brasil é baixa há mais de quatro décadas. No mundo, a evolução do índice também desaponta, mas sofremos um pouco mais com o arcabouço burocrático e outras particularidades do nosso ambiente de negócios. A saída está em um tripé formado por investimentos em educação, capital e inovação, campos nos quais estamos deficitários. É o que explica nesta entrevista o professor Carlos Alberto Primo Braga. Ele lidera, com o professor Paulo Paiva, a área de pesquisas sobre Produtividade e Crescimento Econômico da iniciativa Imagine Brasil, que repensa o Brasil atual em várias frentes, como ele explicará a seguir. Primo Braga ainda avalia os impactos provisoriamente positivos da pandemia na produtividade, além de explicar como as tecnologias devem ser classificadas como inovadoras ou não. Acompanhe os principais trechos da entrevista.

Como o Brasil está em termos de produtividade?

Primo Braga – Ruim, de modo geral. Entre 1950 a 1980, a produtividade do trabalho cresceu cerca de 4,1% ao ano. Esse é um índice significativo de crescimento. Mas desde então a média anual tem sido da ordem de 0,1% ao ano. Nesse último período, tivemos problemas associados a choques externos – por exemplo, a crise da dívida externa nos anos 1980 -, inflação elevada até o Plano Real e, mais recentemente, outras recessões, fechando agora com a pandemia. Aliás, a pandemia produziu impactos diferentes na produtividade da economia (leia sobre a seguir).

A que se atribui a perda de produtividade nas últimas décadas?

Primo Braga – Primeiro é bom esclarecer que esse não foi um problema unicamente brasileiro, apesar de termos acumulado perdas de produtividade maiores do que as de outros países. O mundo todo viu uma diminuição do crescimento da produtividade do trabalho. E há várias correntes de pensamento que apontam causas para isso. Uma pesquisa do economista norte-americano, e professor na Northwestern University, Robert J. Gordon, por exemplo, argumenta que as inovações de hoje em dia, como robôs, softwares e inteligência artificial, apesar de importantes, não causaram o mesmo impacto social das inovações da virada do século XIX para o século XX, como o saneamento básico, os motores a combustão e a utilização generalizada de eletricidade. Simplificando: é como dizer que o saneamento básico é mais importante do que a rede social. Enfim, essa é uma visão “tecno-pessimista”

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© – Shutterstock

E ela é correta?

Primo Braga – Não que seja errada, mas há também a visão “tecno-otimista”, a qual estou mais alinhado. Afinal, ainda não sabemos mensurar adequadamente a produtividade, considerando o impacto do aumento do setor de serviços nas sociedades modernas. Pensando na produtividade do professor, por exemplo, é preciso entender o que é relevante: uma mensuração quantitativa – que diz respeito ao volume de alunos – ou qualitativa, que abrange a qualidade do serviço oferecido. Além disso, muitas das inovações são relativamente recentes.

Na segunda revolução industrial, o uso da eletricidade começou a ter um impacto inovador no final do século XIX (lâmpadas no final da década de 1870, motores elétricos na década de 1880…), mas o seu impacto em termos de aumento de produtividade nos EUA só veio a ocorrer de forma significativa por volta de 1920. Leva tempo até que a inovação produza os seus principais impactos, influenciando modelos de negócios e estruturas de produção. No caso das tecnologias digitais, podemos, portanto, argumentar que estamos na fase inicial dessa “revolução”. Além disso, temos dificuldades em mensurar o seu impacto.

No geral, somos bons em mensurar processos. Podemos avaliar como se produz mais automóveis numa fábrica com o mesmo número de trabalhadores, mas ainda não sabemos como mensurar adequadamente o impacto de inovações em produtos e serviços. Qual é o impacto do acesso ao Google, por exemplo? Há alguns anos ele não existia e ainda hoje não sabemos os seus efeitos em termos de produtividade. Certamente, softwares de procura de conteúdo são extremamente úteis, embora facilitar o acesso à informação não necessariamente se traduza em acesso ao conhecimento. Da mesma forma, é difícil avaliar o impacto da introdução da televisão a cores e se a mesma aumentou o bem-estar (e indiretamente a produtividade) em relação à televisão em preto e branco. Em particular, temos a dificuldade de mensurar produtividade no setor de serviços, e isso contribui para aumentar a complexidade de cálculos de produtividade do trabalho no caso de países industrializados e em economias emergentes, como o Brasil, onde o setor de serviços corresponde a mais de 60% do PIB.

Então os nossos índices de produtividade podem não estar sendo mensurados em todas as suas vertentes?

Primo Braga – A produtividade do trabalho reflete três fatores, basicamente: o primeiro é a educação, qual seja a acumulação de capital humano, o que, no caso do Brasil, é o nosso “calcanhar de Aquiles”. Isso não diz respeito só à educação escolar, que tem melhorado em termos quantitativos, mas também à educação da força de trabalho, qual seja a nossa capacidade de atuar de forma produtiva. Um outro componente é o capital, e o trabalhador brasileiro também está em desvantagem nesse quesito. Há, obviamente, exceções nos casos de empresas de ponta, que operam a nível do primeiro mundo. Mas a grande maioria dos brasileiros trabalha com um estoque de capital que não se compara ao dos trabalhadores norte-americanos, sul-coreanos, japoneses ou europeus. Quando se avalia o aumento da produtividade do trabalho, primeiro se avalia a contribuição do aumento do capital físico e do capital humano na sociedade. O resíduo, que não é explicado por esses fatores, constitui a contribuição da produtividade total dos fatores, que é uma proxy para a contribuição da inovação ao aumento da produtividade. 

A inovação, em tempos atuais, está ligada somente à digitalização?

Primo Braga – O que deve ser avaliado são os impactos das tecnologias de propósito geral. Cabe também observar que o foco não é mais na relação convencional entre inovações tecnológicas e a produção manufatureira ou na agricultura, mas no impacto amplo de tecnologias digitais, como a inteligência artificial ou a internet das coisas. O impacto dessas tecnologias não está atrelado ao que é físico, tangível, mas sim ao quanto elas servem de insumo para uma gama grande de atividades. A eletricidade é um bom exemplo novamente: ela permitiu não somente o aumento da produtividade ampliando as horas da noite como possibilidade de horas de trabalho e de educação, mas também permitiu o adensamento populacional e a urbanização, com o uso de elevadores, entre outras inovações. Em suma, a eletricidade é uma tecnologia de propósito geral. A mesma coisa ocorre com os computadores, cujo impacto é bem mais significativo do que o das máquinas de datilografia. Então, o impacto de inovações é particularmente relevante no caso de tecnologias de propósito geral, que afetam diversas áreas da atividade econômica. 

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© – Shutterstock

Neste momento, com a inteligência artificial, a internet das coisas e a robótica, estamos entrando em uma nova fase, e saberemos, no futuro, como essas tecnologias afetam o nosso dia a dia como produtores e consumidores. Mas os indicativos de que elas são tecnologias transformadoras já são significativos e basta analisarmos a pandemia para confirmar isso. Na área biomédica, com o auxílio de equipamentos digitais, conseguimos, em meio à crise, desenvolver vacinas de mRNA contra a Covid-19 em meses, quando antes o desenvolvimento de novas vacinas levava anos, por exemplo.

A produtividade é um dos macrotemas da iniciativa Imagine Brasil, lançada recentemente pela Fundação Dom Cabral. O que é a iniciativa e como a produtividade tem sido discutida nela?

Primo Braga – A iniciativa Imagine Brasil partiu de uma conversa no Conselho Curador da Fundação Dom Cabral ao buscar respostas às aspirações e ao grau de ansiedade da sociedade brasileira sobre o país que queremos no futuro e o desempenho econômico e social das últimas décadas. Isso, claro, foi impulsionado pela realidade do baixo desempenho que tivemos nos últimos anos. O Conselho da FDC sugeriu então a organização de uma série de diálogos, com distintos segmentos da sociedade. Isso vem também sendo desenvolvido no contexto de pesquisas em quatro áreas: (1) Produtividade e Crescimento Econômico, liderada por mim e pelo professor Paulo de Tarso Almeida Paiva; (2) Meio ambiente e Prosperidade; (3) Inclusão Social e Econômica, com destaque ao papel da educação; e (4) Políticas Públicas e Governança Colaborativa.

Na área de Produtividade e Crescimento, o professor Paulo Paiva e eu começamos com uma série de webinars. Um dos episódios tratou sobre como mensurar a produtividade de forma mais adequada. O segundo tratou do ambiente de negócios e a inserção do Brasil na economia internacional e como isso afeta a produtividade e o crescimento. E o terceiro e mais recente tratou da contribuição da educação à produtividade do trabalho.

Durante a entrevista, o senhor comentou sobre aspectos da pandemia na produtividade. Pode nos dar mais detalhes a respeito?

Primo Braga – A digitalização vem permitindo outras formas de atuação econômica e a pandemia alavancou essa transformação, acelerando drasticamente o comércio eletrônico, o delivery e o teletrabalho. O caso brasileiro é particularmente interessante, pois se perguntarmos o quanto a pandemia afetou a produtividade inicialmente em 2020 e 2021, a resposta é “positivamente”. 

O Brasil tem uma densidade de distribuição de produtividade muito especial. Fazendo uma analogia com um “camelo”, a distribuição tem duas corcovas. Uma das corcovas reflete empresas de baixa produtividade pois elas têm uma participação não trivial na distribuição de empresas do país. Na outra corcova do camelo, temos a grande maioria das empresas com desempenho médio e, por fim, um número limitado de empresas com produtividade de primeiro mundo. A quantidade de empresas na primeira corcova contribui para o nosso nível baixo de produtividade agregada. Olhando para o período da pandemia, percebemos que a produtividade aumentou porque empresas do setor de serviços, na primeira corcova e geralmente com baixa produtividade, como bares e restaurantes, em muitos casos fecharam. Por outro lado, as empresas de ponta, com maior acesso à tecnologia, mantiveram os seus processos, usando, por exemplo, o teletrabalho. Isso é negativo do ponto de vista da distribuição de renda, mas pode gerar um aumento de produtividade no curto prazo. Porém, a expectativa é que, tão logo tenhamos o controle da pandemia, voltaremos a observar a queda dos índices de produtividade a nível macro.

Há formas de aumentar a produtividade consistentemente?

Primo Braga – Sim, mas é um processo de longo prazo. Não tem bala de prata para matar o lobisomem de baixa produtividade. Um dos aspectos críticos nesse contexto é a educação, que temos de melhorar qualitativamente. Na Fundação Dom Cabral, temos trabalhado para formar lideranças com condições de focar em coisas que podem realmente fazer a diferença.

Outra frente de trabalho é a redução da incerteza econômica e social, para aumentar a atração de investimentos de forma a aumentar o estoque de capital, disponibilizando equipamentos para que cada trabalhador seja mais produtivo. Por fim, precisamos trabalhar a questão da inovação, buscando incentivos para aumentar os investimentos em inovação.

Quais entraves devem ser superados para o aumento da produtividade?

Primo Braga – No segundo webinar sobre produtividade da iniciativa Imagine Brasil, o professor José Roberto Mendonça de Barros observou que o setor industrial sempre coloca a culpa no ambiente de negócios, pois vivemos num emaranhado de burocracias que certamente não ajudam. No ranking Doing Business, do IFC/Banco Mundial, o Brasil caiu de 109ª (em 2019) para a posição 124ª em 2020. É uma posição muito ruim entre os 190 países que tiveram o ambiente de negócios avaliado. Estamos atrás de todos os parceiros do bloco econômico dos BRICS e de vários países da América Latina. A qualidade do sistema tributário e suas implicações para pequenas e médias empresas, em particular, é uma área crítica. É extremamente difícil fazer tudo corretamente no âmbito tributário no Brasil sem dispor de um exército de contadores e tributaristas. Então, quando as empresas brasileiras atribuem a baixa produtividade ao ambiente de negócios, isso é uma realidade. Por outro lado, como explicar o desempenho da Embraer, da WEG, da Natura e de outras empresas nacionais de alta performance?

Como?

Primo Braga – Em um trabalho realizado por Mendonça de Barros e pelo Prof. João Fernando Gomes de Oliveira, da Escola de Engenharia da USP de São Carlos, eles identificaram três aspectos comuns a essas empresas de alta performance a despeito do ambiente de negócios complexo que caracteriza o Brasil.  Em outras palavras, a despeito da importância de reformas no ambiente de negócios e, em particular, do sistema tributário, há muito a ser feito pelas empresas também.

A primeira característica identificada entre essas empresas de alto desempenho é a atenção prestada à inovação. Isso significa investir em pesquisa e desenvolvimento, tentando sempre aprender com a experiência internacional quais são as tecnologias mais adequadas para cada processo. Isso se correlaciona com a segunda característica, que é a atenção à Internacionalização. Todas as empresas de destaque têm essa característica, seja como exportadoras, ou através de joint-ventures e alianças tecnológicas com empresas estrangeiras. O terceiro ponto em comum é uma administração criteriosa. Todas essas empresas têm uma gestão que evita alavancagem financeira excessiva e endividamento.

O Professor Paulo Paiva sugere que se a produtividade tivesse crescido a uma taxa de 3,5% de 1980 a 2018 em paralelo com a redução observada no crescimento da população nesse período, a renda per capita teria crescido cerca de 41%. Por que isso não ocorreu? 

Primo Braga – A resposta reflete a evolução anêmica da produtividade no período em questão, bem como choques macroeconômicos, que contribuíram para uma subutilização da força de trabalho. O Fernando Veloso (FGV), por exemplo, observa que na década de 1950 a produtividade do trabalho no Brasil correspondia a cerca de 25% da produtividade do trabalho nos EUA e ao final da década de 1970 essa relação tinha evoluído para cerca de 45%. Uma evolução similar foi observada com respeito às trajetórias de renda per capita, qual seja uma trajetória de convergência econômica. Desde então, porém, observamos uma trajetória de divergência e a relação entre a produtividade do trabalho no Brasil e nos EUA está de novo em cerca de 25%. É importante entender que o crescimento do PIB é o resultado da evolução de duas variáveis básicas: (1) a força de trabalho, qual seja a quantidade de pessoas ativamente no mercado de trabalho, e (2) a produtividade, que avalia o quanto esse trabalho é produtivo em termos de produtos por hora trabalhada. No caso brasileiro, vínhamos nos beneficiando do rápido crescimento da população​, que, por consequência, mantinha uma estrutura etária ​favorável a fluxos crescentes de jovens entrando no mercado de trabalho.  Nos últimos tempos, ​com a queda das taxas de fecundidade, a estrutura etária vem se transformando, e os fluxos de jovens se reduzindo. Nesse contexto, o crescimento da renda brasileira ficará cada vez mais dependente da evolução da Produtividade, um dos temas centrais da iniciativa Imagine Brasil.




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