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Inovação também precisa gerar resultado

"Inovação, na prática, é geração de resultados como primeiro ponto de partida para isso", diz professor e pesquisador Hugo Tadeu

inovação © - Shutterstock
por Redação janeiro 14, 2022
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Nesta entrevista, o professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral (FDC), Hugo Tadeu, explica conceitos como inovação e transformação digital, e fala como eles podem ser aplicados na prática e não somente como um discurso corporativo vazio. Tadeu é líder do Centro de Referência em Inovação Nacional na FDC, além de participante ativo da Plataforma Forecasting e do Programa Aberto em Transformação Digital, em parceria com a IBM e Deloitte. Sua experiência inclui passagens pela University of British Columbia, ESCP e Deloitte. 

Inovação é uma palavra recorrente no meio corporativo, mas o que podemos entender como inovação? 

Hugo Tadeu: Inovação, na prática, é geração de resultados como primeiro ponto de partida para isso. Sempre se vê muitas sessões lindas de design thinking, mas inovação tem a ver com engajamento e geração de ideias, com estratégia de projetos, de processos, de governança e de cultura. Tudo isso se comprova se gerar resultado. Tem que parar em pé, senão fica no idealismo, com o estereótipo divertido e ambientes cool. O acionista de startup, por exemplo, quer ver o retorno sobre o patrimônio líquido. Inovação tem a ver com estratégia, tem a ver com P&D, mas também tem a ver com gestão. Temos que parar com romantismo. Há muita startup que não sabe o que é governança. Outra imagem comum é se eu sou do time de inovação, sou visto como o cara de P&D, que gera papers somente, o que também é importante mas não determinante. Mas sendo grande ou pequena, a startup tem que pagar o investimento que foi feito, tem que olhar para o mundo, principalmente para o que está sendo feito nos Estados Unidos e em Israel. 

E como vocês, do Centro de Referência em Inovação Nacional, avaliam a presença de inovação nas empresas?

Hugo Tadeu: Tudo começa com a análise do nível de maturidade, uma avaliação da estrutura da empresa, de como podem inovar de acordo com seu potencial. Fazemos uma avaliação, um diagnóstico, uma leitura do ambiente corporativo e do conhecimento de estratégias de inovação, de concorrentes, da interação com startups e universidades e de sua mão de obra. E avaliamos que projetos de inovação possui e, acima de tudo, o perfil da liderança, porque nem todo mundo pode inovar. Inovação depende do perfil, da área, de métricas e de segurança do ambiente onde atua, além do nível de maturidade. E isso vale para grandes companhias, startups e governo. Fazemos um observatório de inovação, com coleta de dados. Em geral, as empresas de grande porte tem um nível de maturidade mediano para a inovação. Empresas de médio porte, no geral, têm maturidade média para a inovação. Nas startups, depende do setor onde atuam.

Quais os segmentos, no caso de startups, onde essa maturidade é maior para a inovação?

Hugo Tadeu: As que atuam nos setores financeiro, de agronegócios, tecnologia e, agora geração de energia e mineração. Não existe um movimento isolado, uma vez que essas startups são fornecedoras de empresas de grande porte bem posicionadas. Existe uma leitura de que a produtividade cresce pouco no Brasil e há uma explicação: nos países onde há um crescimento de produtividade existe clareza de investimento e de convergência de capital e conhecimento. Onde isso acontece há uma curva de crescimento evidente de startups, com um universo de poucas empresas grandes e um mundaréu de empresas pequenas. No Brasil, temos o contrário: grandes empresas centenárias, com uma política de camelô, pedindo recursos de bancos públicos, e que não deixam empreender. 

E como se pode melhorar esse cenário?

Hugo Tadeu: Fazer o alinhamento de capital com conhecimento, focando onde está a geração de riqueza no Brasil. Outro debate importante é se voltar para uma política de estado e não de governo, com uma ampla estratégia de inovação e com uma visão de futuro sendo debatida. O país exporta minérios, como o de ferro, mas deveria exportar chapas de aço e isso depende de tecnologia. Ninguém fala do potencial de extrair minérios, são setores que demandam muita tecnologia e geram muitas riquezas. Há também muitos problemas e, por isso, não se pode eliminar a importância de atender às políticas de ESG, por exemplo. 

Outro conceito mistificado no Brasil é o de transformação digital. Onde ele se converge com a inovação?

Hugo Tadeu: Ele não se separa de inovação. A digitalização é um subitem da inovação. Virou moda falar que transformação digital depende de se entender de blockchain, de Internet das Coisas (IoT), etc. Quando se fala de transformação digital é preciso avaliar as estruturas internas, de backoffice, de sistemas como o ERP, e olhar para o cliente, na ponta. O cerne da transformação digital é ter dados que sejam monetizados, entender para que precisa da tecnologia e não adotar todas de forma indiscriminada. É preciso adotá-las de acordo com os dados que se tem do cliente e como se pode monetizar esses dados. É ter menos discurso e mais dados sobre o cliente, na ponta. Qualquer que seja a tecnologia, a transformação é mais de negócios e é uma discussão que precisa ser assentada. 

Fala-se que a pandemia teria acelerado o processo de transformação digital em muitas empresas…

Hugo Tadeu: A pandemia acelerou demais a transição digital, como se vê no crescimento de vendas B2B e B2C. Se isso não for uma grande transformação digital eu não sei o que é. O percentual de crescimento foi maior no digital para muitas organizações. A pandemia trouxe uma mudança de comportamento e por sorte do destino temos tecnologia para acompanhar a mudança e olhar para o lado da oportunidade, para associar a transformação digital com geração de receita. Se estivéssemos em um contexto econômico anos atrás, o cenário seria outro. A pandemia trouxe a importância de se entender os canais de vendas para além do modelo tradicional. É preciso ter um backoffice digital, entender o cliente e as demandas de tecnologia. Tem que ter dados e saber interpretá-los. 

A esse respeito, pode parecer que somente há futuro para quem trabalha com dados. É verdade?

Hugo Tadeu: Há avaliações, como a do Fórum Econômico Mundial, de que as competências do futuro, em sua maior parte, têm a ver com a programação de dados, mas não é a realidade na vida prática. Temos que ter analistas de sistemas, gente da área de tecnologia, de designers, mas também é preciso ter gente que saiba conversar com o cliente. Não se pode colocar pessoas que só falam tecniquês em contato com o cliente. É preciso se conectar com o cliente e falar a linguagem dele. O desafio não é só de tecnologia, mas sim de tecnologia. Temos que ter misto de tecnologia, com quem entenda de liderança de pessoas e de mercado. 

Nós estamos falando de mercado de trabalho e outro assunto recorrente é a permanência do trabalho remoto ou da maior adoção do trabalho híbrido. Qual é a sua avaliação?

Hugo Tadeu: Vai se chegar ao meio termo. O trabalho híbrido reduz custo, diminui o deslocamento, permite ganho de tempo e de produtividade e traz mais uma série de aspectos positivos para as companhias. Em tempos de pandemia, quem entendeu melhor o digital teve resultados enormes. Para setores tradicionais – que exigem o face to face – o processo será mais complexo. Para o trabalho presencial é necessário ter uma segurança psicológica porque estamos falando de pessoas dividirem espaços comuns. Há uma turma tradicional, que quer voltar ao trabalho presencial total, mas existe um pessoal mais jovem que mostra que as trocas virtuais não distanciam. É preciso um equilíbrio. 

E o trabalho em equipe?

Hugo Tadeu: Virou moda ter squads. Pra começar não tem nada de novo no squad, sendo uma metodologia antiga e da engenharia e que já fazia cascateamento de projetos longos, com entregas curtas, há muito tempo. O determinante era a equipe e formá-la exige a avaliação de competências técnicas, psicológicas, do perfil do técnico-psicológico para fazer um match. É preciso ter segurança psicológica para esses ambientes e ter claro o papel da área de gestão de pessoas. E isso vale para as startups, porque elas não deixam de ser empresa e tem que pagar as contas, comprovar resultados. Não adianta ter um PPT bonito; é preciso ter método de gestão. 

Para finalizar essa discussão sobre conceitos muito falados, você pode nos dar uma avaliação sobre a sigla ESG, que resume as políticas de sustentabilidade, responsabilidade social e de governança. É modismo?

Hugo Tadeu: O mundo tem cerca de 40 trilhões de dólares somente para investir em energia renovável. Se os fundos de investimento não alocarem esses valores em termos de políticas de ESG, o mundo vai implodir. Os recursos energéticos, por exemplo, em geral, são limitados. Mas há recursos ilimitados como o de energia solar e eólica. Por outro lado, há uma cultura de inovação em setores como os de óleo e gás, mas o retorno não se paga rápido. Temos que olhar para a China e para a segurança energética. Se todos forem usar a geração solar e eólica podemos ter um aumento de preço também. Vejo a agenda de ESG como uma agenda de conscientização e tem que ser uma agenda da Faria Lima, de quem investe e tem noção dos rumos de investimento no Brasil. Há muitos anos o ESG tinha o nome de responsabilidade social e corporativa. Se voltássemos 20 anos, veríamos iniciativas de empresas como Natura, Banco Real, Suzano. O que se vê hoje é o que já se sabia há mais de 30 anos: não se vive de resultados financeiros trimestralmente sem se olhar para a sociedade. Se o mundo não mudar sua matriz energética, por exemplo, ele não se acaba. Quem se acaba somos nós. O mundo começou sem a gente e pode terminar sem a gente.

Assista a Webserie sobre Inovação na Prática, da Fundação Dom Cabral e apresentada pelo professor Hugo Tadeu no YouTube.




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