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Culturas tóxicas. O lado obscuro da Grande Resignação

Nesses ambientes, novas ideias não prosperam, existe o bullying ocorre e poder pode subir à cabeça dos líderes, avalia professor da FDC

culturas toxicas © - Shutterstock

Por

Paulo Almeida

Professor de Liderança e Pessoas da FDC

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O fenômeno da “grande demissão”, conhecida também como “grande renúncia” (The Great Resignation ou The Big Quit) foi cunhado por Anthony Klotz, professor de Administração da Universidade do Texas. O professor se referia então ao movimento de demissões em massa que começou a se espalhar pelo mundo em maio de 2021 e que, em agosto desse mesmo ano, já havia resultado na demissão de 4 milhões de americanos. Esse número foi recorde desde antes da pandemia. Na verdade, desde setembro de 2021, o número de americanos que se demitiram do emprego tem batido recordes atrás de recordes.

Em março de 2022, por exemplo, cerca de 4,5 milhões de americanos saíram ou trocaram de empregos. No Brasil, nesse mesmo mês, cerca de 600 mil trabalhadores se demitiram, segundo o Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged), do IBGE, mostrando que também enfrentamos o fenômeno do Great Resignation

Dados e fatos do Great Resignation

Na Fundação Dom Cabral (FDC), usamos o IPT (Índice de Potencial de Transformação, disponível em https://ipt.fdc.org.br/ ) para medir as possibilidades de transformação das organizações brasileiras. O IPT mede essa transformação em direção a uma cultura de trabalho mais inclusiva, humanizada e adequada aos desafios de retenção de talentos e de transformação de lideranças pós-pandemia.

O IPT apura a distância das organizações públicas e privadas de um conjunto de melhores práticas e políticas mundiais de gestão de pessoas e de lideranças. Depois, ele classifica as organizações em três zonas, correspondentes a três diferentes graus de maturidade no cuidado com a gestão de pessoas: “zona de qualidade”, “zona de aperfeiçoamento” e “zona crítica”. Curiosamente, e olhando os dados de março deste ano, 50,8% das empresas privadas brasileiras se encontram na “zona crítica” e apenas 4,6% se encontram na “zona de qualidade”. Ou seja: muito ainda estava, e está, a ser feito em termos de práticas e de políticas de desenvolvimento de pessoas e de liderança.

Esse é um dado objetivo do IPT da FDC, totalmente em sintonia com a onda de demissões voluntárias no Brasil. Esse é um fato que poderia ter sido evitado, com uma aposta mais consistente em desenvolvimento de pessoas e em soluções educacionais que preparassem as empresas brasileiras para a transformação de suas culturas, nesse contexto pós-pandemia.

O lado cultural é, justamente, o lado obscuro da “grande renúncia”, portanto.

Em uma cultura tóxica, novas ideias não podem prosperar, pois as pessoas não podem ser honestas, o bullying ocorre e os líderes recebem poderes que lhes pode subir à cabeça. E, assim, o microgerenciamento começa. Nas culturas tóxicas, trabalhar em casa ou em meio período é malvisto. A gestão não permite que as pessoas trabalhem em casa porque querem fiscalizar seus subordinados.

Nessa visão distorcida, trabalhar em casa significa que você será menos produtivo e se aproveitará da situação, isso sob a ótica da gestão. Nas culturas tóxicas, também o empreendedorismo é malvisto. Culturas de trabalho tóxico não acolhem empreendedores e intraempreendedores, porque temem que eles e elas possam deixar a empresa, levando consigo as ideias. Nas culturas tóxicas, a agilidade e a inovação são ainda tomadas como um pretexto para se concentrar apenas no erro, no que não deu certo e isso acaba sufocando a criatividade, o que é outro dos motivos pelos quais os colaboradores se afastam desse tipo de empresa.

Esse é o lado escondido, e ainda mal percebido, desse movimento de demissões voluntárias. Ter a coragem de olhar de frente para esse lado obscuro da “grande renúncia” e para seu aspecto cultural, é o princípio para uma cultura mais humanizada e para uma liderança e um propósito engajadores, se preparando para um “grande retorno”.

Paulo Almeida é professor de Liderança e Pessoas da Fundação Dom Cabral

Presidente-executivo da Fundação Dom Cabral tratou do tema em quadro na CNN



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