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Como multinacionais podem gerar inovação no Brasil

Em artigo para a Exame, o diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral reflete sobre o potencial de inovação no Brasil

© - Shutterstock

Por

Heiko Hosomi Spitzeck

Diretor do Núcleo de Sustentabilidade da FDC

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Imagine que você vai buscar o carro na garagem e percebe que precisa trocar os pneus. Na loja, o vendedor te oferece uma marca X e Michelin – só que a Michelin está 20% mais cara. Qual pneu você compra? O consumidor normal compra a marca X porque é mais barata. Alguns consumidores compram Michelin falando que o pneu é mais seguro. Para que eles pensassem isso, a Michelin gastou milhões em marketing.  O caso resume o problema de muitas empresas multinacionais no Brasil: como justificar um preço mais alto? Do ponto de vista da estratégia, como manter e criar novos modelos de negócio que têm alto valor agregado e evitam que a empresa entre na competição de commodities onde só o preço conta?

Se você optaria pelo pneu mais barato, você está enganado. Não fica mais barato se a gente abre a perspectiva do custo de uso. Se o pneu da Michelin anda 40% mais que o pneu que você comprou, o custo do pneu por quilômetro rodado é mais barato. Para quem quer vender o carro logo não importa, mas para empresas que têm grandes frotas isso importa muito no custo da operação.

Agora, você sabia que a Michelin não vende mais pneus para mineradoras? O quê eles vendem? A Michelin vende o serviço que o pneu faz e consequentemente cobra as mineradoras por toneladas de quilômetros transportados. A tecnologia embutida nos pneus permite medir localização, pressão e  temperatura – o que aumenta a segurança nas minas e detecta se um pneu está prestes a romper. A solução é mais barata comparada com concorrentes que oferecem pneus de menor qualidade.

Consequentemente, a Michelin ganha market share e deixa a concorrência atrás e pode até gastar menos em marketing. Ao mesmo tempo, a operação é mais sustentável, porque o produto de alta qualidade dura mais, não requer a ativação de toda a cadeia de valor e gera menos resíduos que a concorrência.

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A servicitação descreve esse processo de vender o serviço em vez do produto. A servicitação é o Sweet Spot da inovação com sustentabilidade porque permite a redução do uso de recursos, fidelizar o cliente e cria um modelo de negócio com alto valor agregado.

Agora pense na inovação. De onde vem, tradicionalmente, as inovações? De Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), você deve pensar, de pesquisadores nos laboratórios, desenvolvendo novas tecnologias. Outros vão pensar em fusões e aquisições (M&A – mergers and acquisitions, em inglês), como o Google faz com várias startups. Agora, de onde vem a inovação da servicitação da Michelin? Não vem de P&D e também não de M&A. Putz, mas deve vir de algum lugar…

Vem do que eu chamo de intraempreendedorismo. A inovação vem de colaboradores que pensam como donos do negócio, que percebem as dores dos seus clientes, que conhecem o portfólio de produtos da empresa e, consequentemente, conseguem criar novas combinações que melhor atendem às necessidades dos clientes locais. Colaboradores que “tropicalizam” o portfólio de uma empresa multinacional para as necessidades locais. Nas minhas conversas com lideranças no C-level de empresas multinacionais operando no Brasil, entendi que o intraempreendedorismo é A FORMA de fazer inovação no Brasil.

P&D acontece muitas vezes nos EUA ou na Europa. Decisões de M&A, na sua grande maioria, não estão sendo tomadas no Brasil. O que resta de inovação que permite a adaptação da empresa às necessidades locais é o intraempreendedorismo. Porém, vejo poucas empresas multinacionais no Brasil que usam seus colaboradores, de maneira estruturada e bem-organizada, para criar novos modelos de negócios com alto valor agregado. Vejo aqui um potencial enorme para empresas multinacionais fomentando a inovação no Brasil.

* Heiko Hosomi Spitzeck é diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral e este artigo foi publicado originalmente pela Época Negócios.




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