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A confiança como pilar fundamental da liderança (p. I)

Professores da Fundação Dom Cabral analisam o tema da confiança sobre diversos ângulos e demonstram sua importância

© - Shutterstock

Por

André Lúcio Santos de Almeida

Professor da FDC

Lívia Lopes Barakat

Professora da FDC

Carla Adriana Arruda Vasseur

Professora da FDC

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O mundo hoje passa por uma crise de confiança sem precedentes. Se por um lado o advento do capitalismo a partir do século XVIII trouxe progresso para as nações, evidenciado pelo desenvolvimento tecnológico, pelas melhorias na educação e na saúde, e por um maior acesso a bens de consumo e serviços, por outro, muitas vezes ele está associado a um aumento da desigualdade social, da degradação do meio ambiente, da poluição, da corrupção sistêmica e de doenças emocionais. 

O quadro que se configura na atualidade tem gerado profundos questionamentos sobre a ética das instituições e sua real contribuição para o desenvolvimento da sociedade. O estudo do Edelman Trust Barometer (2021) resgata os principais marcos dessa crise de confiança a partir dos anos 2000:

Fonte: Edelman Trust Barometer (2021)

Na linha do tempo acima, é nítido que a crise de confiança não está associada a um tipo de instituição apenas e sim a todas que envolvem o sistema político-econômico mundial, como governos, empresas, ONGs e mídia. A crise de confiança está presente ao redor de todo o globo, até nas nações mais desenvolvidas. 

O Brasil está abaixo da média do índice de confiança global dentre 27 nações, ficando com 51 pontos frente a 56 pontos da média global (Trust Barometer, 2021). A desconfiança nas instituições brasileiras é ainda mais forte entre o público geral, se comparado ao público informado (diferença de 15 pontos). 

A baixa confiança nas instituições brasileiras está relacionada a diversos fatores. O alto nível de desigualdade que o país ainda vivencia, evidenciado pelo coeficiente Gini de 0,534 numa escala de 0 a 1 (Banco Mundial, 2021) levanta questionamentos sobre a efetividade das ações do governo, das empresas e ONGs para reduzir o gap social. 

Coeficiente GINI

Fonte: Banco Mundial, 2021, dados de 2019

Além disso, o Brasil é hoje um dos países com o pior Índice de Percepção de Corrupção (IPC) de acordo com um levantamento da Transparência Internacional que avalia 180 nações. Numa escala de 1 a 100, o Brasil se mantém há anos estagnado em torno dos 38 pontos, abaixo da média dos BRICS (39), da média regional para a América Latina e o Caribe (41), da média mundial (43) e ainda mais distante da média dos países do G20 (54) e da OCDE (64) (Transparência Internacional, 2021).

Índice de Percepção de Corrupção (IPC)

Fonte: Transparência Internacional (2021)

Somado a isso, o desmatamento da Amazônia e os desastres socioambientais, como o rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho, levantam dúvidas sobre a capacidade das nossas instituições em preservar a maior biodiversidade do mundo e contribuir positivamente para grandes desafios globais como a mudança climática.

Esses são apenas alguns dos fatores que abalam a confiança da população e evidenciam a necessidade urgente de uma reforma nos valores, crenças, práticas e legislações que norteiam as ações de governos, empresas e demais organizações brasileiras. 

Já no contexto da pandemia, que agravou de forma geral a crise de confiança, as empresas surgem como as únicas consideradas confiáveis, competentes e éticas no Brasil (Edelman Trust Barometer, 2021). Tratar o tema da confiança é, portanto, de grande relevância para as empresas e gera uma enorme responsabilidade para que os líderes atuem de forma ética, responsável e proativa em benefício da sociedade como um todo.

O papel das escolas de negócio

O que o setor de educação e, mais especificamente, as escolas de negócios têm a ver com isso? Qual seria o seu papel no desenvolvimento de instituições mais confiáveis e no desenvolvimento da sociedade em que estão inseridas?

Alguns autores afirmam que o papel das escolas de negócios é apoiar as empresas em seu objetivo de maximizar os resultados, especialmente econômico-financeiros. Robert Simons, professor da Harvard Business School, considera fundamental que ajudem as empresas a “competir para vencer”. Outros autores propõem para as escolas de negócios uma atuação embasada em considerações éticas, como Judith Samuelson, que defende uma abordagem centrada na ideia de um propósito maior.

A questão se apresenta como uma espécie de dilema. Eric Cornuel, CEO da European Foundation for Management Development (EFMD), diz que o risco do atual modelo predominante nas escolas de negócios é de que elas acabem reforçando o status quo, que, conforme já vimos, não parece estar nos levando em direção a uma sociedade mais igualitária e sustentável.

Considerando esse contexto, em 2016, o Executive MBA (EMBA) da Fundação Dom Cabral (FDC) passou por um intenso processo de revitalização, que coincidiu com um período do país no qual vários políticos e executivos estavam sendo questionados, julgados e presos por ações antiéticas ao visar o lucro para si e para suas organizações em detrimento do bem comum. O EMBA então se deparou com uma questão que causou extremo incômodo: como nosso programa, que forma líderes do futuro deveria tratar dessas questões, para formar não só líderes, e sim líderes confiáveis?

Essa reflexão levou à consciência de que o programa deveria desenvolver líderes capazes de criar valor e crescimento sustentável não só para si próprio e suas organizações, mas também e igualmente para a sociedade, inspirando e promovendo a confiança e a ética. A confiança, então, assumiu papel estruturante no percurso do aluno no programa. 

O pressuposto do EMBA é que líderes íntegros, transparentes e éticos e que geram valor compartilhado por meio de sua atuação profissional são capazes de conquistar a confiança em suas relações com o meio empresarial e com a sociedade pelo impacto positivo que geram.

Mas, por que Confiança?

Dois tipos de razões se apresentam. O primeiro se refere a um conjunto de razões que poderíamos chamar de instrumentais: o que ‘eu’ ou ‘nós’ temos a ganhar com um aumento no nível de confiança estabelecido nos meios nos quais interagimos? 

Os filósofos Robert Solomon e Fernando Flores chamam atenção para o fato de que o principal fator que causa a decadência das empresas é a ausência de confiança. A importância de uma cultura na qual a confiança seja mais presente se demonstra, por exemplo, pelo fato de que sem um ambiente regido pela confiança, as pessoas cumprirão suas tarefas, mas não oferecerão nem suas ideias, nem sua energia e entusiasmo (Solomon e Flores, 2001). Basta imaginarmos os efeitos de alguém desempenhando suas funções mecânica e burocraticamente, versus alguém que trabalha vividamente – com criatividade, inspiração e perseverança. 

No contexto mais abrangente da sociedade, a ausência de confiança aumenta os custos de transação para todos os envolvidos. Nas organizações, a confiança é um elemento fundamental das relações profissionais por ser complementar ao controle formal e contribuir para construção de bens intangíveis (Zanini e Migueles, 2019). No nível do indivíduo, por exemplo, maior confiança não é apenas vantajoso, mas também necessário. Em um estilo de vida cada vez mais integrado e envolvendo funções cada vez mais especializadas é inevitável que, de uma forma ou de outra, dependamos dos esforços de outras pessoas para viver nossas vidas. 

Todas essas são boas razões – um tanto quanto óbvias, aliás – para que desejemos um maior nível de confiança estabelecido em nossas relações. Tais razões, no entanto, não passam de efeitos colaterais desejáveis em termos da motivação central para ‘Confiança’ se apresentar como um valor tão central para o EMBA da FDC. O cerne de tal motivação se apresenta como uma moeda de dupla face. 

Por um lado, ‘Confiança’ no sentido a ser aqui elaborado, se apresenta como a solução de um problema. Mais especificamente, a solução de uma crise. Como falado, vivemos em meio a uma profunda crise de confiança nas organizações de todos os tipos e suas lideranças. E todos nós, que transitamos no meio corporativo, contribuímos de uma forma ou de outra para a intensificação desta crise. 

Como bem salienta McLeod (2015), pode haver ausência de confiança em uma situação particular pelo fato de que, confiar em tal situação, simplesmente não é uma boa opção, já que as condições necessárias para que haja confiança não se apresentam. A crise acima descrita é algo que preferiríamos não ver, e certamente, algo que a maior parte de nós escolheria – caso fosse possível – não reforçar. A boa notícia é que é possível mudar essa realidade. A etimologia do termo ‘crise’ na sociedade Chinesa é alentadora. Crise em chinês (weiji) envolve dois sentidos que coexistem: (a) percepção da possibilidade do perigo, e (b) oportunidade de elevação. Qual sentido será predominante depende das nossas escolhas no momento da crise. A possibilidade do perigo é bastante concreta, e a situação pode se deteriorar consideravelmente e rapidamente dependendo de como escolhermos lidar com a crise que se apresenta. Também é bastante concreta a oportunidade única de elevação de nossos padrões caso lidemos com a crise de forma consciente e madura. É isso que o EMBA da FDC busca fazer. 

A outra face do que motiva o EMBA da FDC a tratar ‘Confiança’ como algo tão central para o meio corporativo se refere a um “ajuste de realidade” tão necessário quanto inevitável. O atual paradigma do sistema capitalista se fundamenta em um princípio de que há em nossa sociedade uma ‘divisão de responsabilidades’ bem demarcada, segundo à qual cabe às Empresas cuidar fundamentalmente de sua saúde econômico-financeira, enquanto é delegado ao Estado exclusivamente a responsabilidade de promover o bem-estar e progresso da sociedade. 

O problema de tal paradigma é que ele se baseia em pressupostos equivocados, desatualizados. A influência das empresas em nossas vidas é tamanha, que das 100 maiores economias do mundo 71 são empresas, e apenas 29 são países (From Poverty to Power, 2018). Faz sentido que as empresas e executivos foquem exclusivamente na performance econômica em detrimento do progresso que almejamos para a sociedade? Ou eles possuem também um papel e responsabilidade no bem-estar e progresso da sociedade para além do papel que geralmente é atribuído ao Estado?

Certamente, há uma consciência crescente tanto do enorme potencial que empresas possuem para contribuir, de fato, com o progresso social, quanto da necessidade que o contexto atual impõe para que o façam. 

Uma vez que aceitemos a relevância de um aumento dos padrões de confiança no contexto corporativo, agir na direção de desenvolver a confiança se apresenta como possibilidade óbvia, já que, como sugere Hardin nós não passaremos a confiar nas pessoas daqui para frente a não ser que as pessoas com as quais interagimos se tornem diferentes (Hardin, 1996). 

Enfatizar o desenvolvimento da ‘confiança’ está alinhado com um novo paradigma de educação, segundo o qual não se foca exclusivamente no desenvolvimento técnico e ferramental dos participantes. Tão importante quanto este aspecto do desenvolvimento humano é o desenvolvimento do caráter dos indivíduos. Neste sentido, cultivar a confiança ao longo do programa é um foco específico para uma questão mais geral – o desenvolvimento do caráter dos participantes – que posiciona o EMBA da FDC claramente em termos do que ele valoriza e busca promover. Confira na Parte II desse artigo como a confiança se vincula com a ideia de caráter e as implicações dessa perspectiva para o Executive MBA da FDC. 

* André Lúcio Santos de Almeida, Lívia Lopes Barakat e Carla Adriana Arruda Vasseur são professores da Fundação Dom Cabral.




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